quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Ritual do amor



I

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

As pernas cruzadas
na racha entreaberta

Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que já despe



II

Depois é a penumbra
e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado

As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade

Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido

que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido


III

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto

ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido



IV

Aos pés
está o vestido
amachucado

depois os joelhos no vestido

as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde


V

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que se ergue
do chão
amarfanhado

o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu ato



VI

Assim volta à maneira
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços

cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto



VII

Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço

Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos



VIII

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

Já só memória
o corpo todo
nu

Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam
um a um


IX

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que o gesto alisa
ao descer o fato

Vestido que na fímbria
ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre


Maria Teresa Horta