segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Louvor do corpo


   
Há-os mais destros, eu sei.
Mas com este
corto ao tempo exato o gesto escuso,
assalto a noite, cruzo as horas
e me fujo galopando em potros verdes.


Há-os mais fortes, eu sinto.
Mas com este
ataco, esquivo-me e agrido
como posso.
Com este parto para o embate
e com ele é que eu retorno
- se vencido.



Há-os mais amados, me dizem.
Mas este sabe aonde, e sabe como, e sabe quando
e nunca contaria
o que ouve e sente,
quando em seus leitos se entreabrem outros corpos
com segredos repentinos,
florações de ataque e paz.


Há-os mais belos, os vejo,
nos coloridos do bronze
e no esplendor de mil calçadas.
Mas este me vai como luva,
e o enfio inteiro nos abraços
e o retiro intato do espelho.


Há-os mais em tudo, e eu sei.
Mas deste é que eu me sirvo,
este é o que me deram,
este é o que alimento,
com este como, beijo e frutifico
e é com este que eu fecundo a própria morte.


Affonso Romano de Sant'Anna
 in: "Intervalo Amoroso & Outros Poemas Escolhidos)