domingo, 25 de outubro de 2015



A ternura distingue-se de todos os outros sentimentos amorosos que pedem o abraço, o beijo, a brincadeira... Qualquer um desses sentimentos manda que eu entre em cena, que eu faça alguma coisa com a pessoa amada. A ternura, ao contrário, pede que eu fique de fora. Minha entrada na cena iria estragá-la, perturbar a mansidão do quadro. (...) Sim, as mãos tocam o rosto... Mas como são diferentes as mãos ternas das mãos que desejam a posse. A ternura não deseja nada. Ela só quer contemplar a cena. O beijo terno apenas encosta os lábios... As mãos ternas são extensões do olhar. Tocam para se certificar de que os olhos não mentem. Vinicius o disse de um jeito bonito: "Resta esta mão que tateia antes de ter, esse medo de ferir tocando, essa forte mão de homem cheia de mansidão..."

Os poetas, não sabendo manejar os pincéis, usam as palavras para pintar. Lembrei do poema de Cassiano Ricardo: "Você e o Retrato", em tudo semelhante à tela do mestre Flamengo.

O olhar terno deseja ser pintor, fotógrafo. A pintura e a fotografia eternizam a cena, cristalizam o efêmero. São exorcismos mágicos contra o tempo. O olhar terno deseja que aquele momento seja eterno. Daí o seu cuidado, a voz que fala baixo, a mão que tateia, o mover-se lento... para que o encanto da imagem não se quebre...(...)

Rubem Alves, Retrato de amor