domingo, 7 de dezembro de 2014



"Eu poderia me iludir, acreditar que sou bela como as belas mulheres, como as mulheres olhadas, porque realmente me olham muito. Mas sei que não é uma questão de beleza, e sim de outra coisa, por exemplo, sim, outra coisa, por exemplo espírito. Eu pareço o que quero parecer, bela também se for isso que quiserem que eu seja, bela ou bonita, bonita, por exemplo, para a família, para a família, não mais, posso me tornar tudo o que quiserem que eu seja. E acreditar nisso. Acreditar que também sou encantadora. Desde que eu acredite, que isso se torne verdadeiro para quem me vê e deseja que eu corresponda ao seu gosto, sei disso também. Assim, posso ser encantadora em plena consciência, (...) Já estou ciente. Sei algumas coisas. Sei que não são as roupas que tornam as mulheres mais ou menos belas, nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade, o valor dos adornos. Sei que o problema está em outro lugar. Não sei onde. Só sei que não é onde as mulheres pensam que está. Olho as mulheres nas ruas de Saigon, nos postos do interior. Há mulheres belíssimas, alvíssimas, aqui têm um cuidado extremo com a beleza, principalmente no interior. Elas não fazem nada, apenas se guardam, guardam-se para a Europa, os amantes, as férias na Itália, as longas licenças de seis meses a cada três anos, quando finalmente poderão falar do que se passa aqui, dessa existência colonial tão particular, do serviço dessas pessoas, desses criados, tão perfeitos, da vegetação, dos bailes, dessas mansões brancas, tão grandes que a gente se perde nelas, onde são alojados os funcionários nos postos distantes. Elas esperam. Elas se arrumam para nada. Elas se cuidam. Na sombra dessas mansões, elas se cuidam para o futuro, acreditam viver num romance, já estão com os armários tão cheios de roupas que não sabem o que fazer com elas, colecionadas com o tempo, a longa sucessão dos dias de espera. Algumas enlouquecem. Algumas são abandonadas, trocadas por uma jovem criada que fica calada. Abandonadas. Ouve-se o golpe dessa palavra quando as atinge, o som que faz, o som da bofetada que ela desfere. Algumas se matam.
Essa omissão das mulheres em relação a si mesmas, praticada por elas mesmas, sempre me pareceu um erro.
Não era preciso atrair o desejo. Ele estava em quem o despertava ou não existia. Ele já estava ali desde o primeiro olhar ou jamais teria existido. Ele era o entendimento imediato da relação de sexualidade ou não era nada. Isso, também, eu soube antes da experiência."


Marguerite Duras, O amante