sexta-feira, 5 de setembro de 2014



Vereis um outro tempo estranho ao vosso.
Tempo presente mas sempre um tempo só,
Onipresente.

A dimensão das ilhas eu não sei.
Será como pensardes ou como é
Vossa própria e secreta dimensão.
Às vezes pareciam infinitas
De larguras extremas e tão longas
Que o olhar desistia do horizonte
E sondava: ervas, água
Minúcias onde o tato se alegrava
Insetos, transparências delicadas
Tentando o voo quase sempre incerto.

O peito era maior que o céu aberto.
Parávamos. E sabeis
Que o que contenta mais o peito inquieto
É olhar ao redor como quem vê
e silenciar também como quem ama.

Éramos muitos? Ah, sim.
Eramos muitos em mim.
O perigo maior de conviver era o perigo de todos.
Nosso Deus era um Todo inalterável, mudo
E mesmo assim mantido. Nosso pranto
Continuadamente sem ouvido
Porque não é missão da divindade
Testemunhar o pranto e o regozijo.

O que esperais de um Deus?
Ele espera dos homens que O mantenham vivo.

E os verdes, os azuis, o chumbo delicado
De umas tardes, a pureza das aves
Os peixes de verniz
Na abertura mais funda de umas águas.


Hilda Hilst, do livro Exercícios