quarta-feira, 2 de julho de 2014


Antes, os amores eram secretos, as dores eram particulares, chorava-se em silêncio e em privacidade, ninguém sabia o que você sentia, a não ser que você fosse poeta. Hoje a dor de amor é produto externo bruto, fatura-se com o coração ferido. O mundo encolheu.


Antes, a amizade era confeccionada com o tempo, era preciso meses para confiar, anos para decretar que o vínculo seria eterno, havia uma trajetória a cumprir antes do abraço indissolúvel, os padrinhos de casamento eram escolhidos entre os irmãos. Hoje, o melhor amigo é aquele de segunda-feira, que te deu uma carona. O mundo encolheu.


Antes, o conteúdo dignificava, estabelecia uma triagem natural entre quem era consistente e quem não tinha substância para fazer diferença. Sabedoria e conhecimento tinham valor. Hoje, se o sujeito concorda contigo, basta para ser teu ídolo. O mundo encolheu.


Antes, a polidez não era um fricote, e sim uma atitude honrada. Ser respeitoso não merecia escárnio, e sim retribuição equivalente: bons tratos eram recorrentes entre cavalheiros e damas. Ampliava-se a civilidade. Hoje, respeitar está fora de moda, moderno é ser cruel. O mundo encolheu.


Antes, o prazer não tinha valor diante do desprazer do outro, nada valia ser feliz à custa das infelicidades alheias, havia uma corrente silenciosa e íntegra que avisava: ou todos, ou nenhum. Hoje, restritos em nossas individualidades, é comum passarmos por cima até dos nossos afetos. O mundo encolheu.


Estamos promiscuamente embolados, sem espaço para ampliar nossa existência. O mundo encolheu e alguns vão sobrar. Já estou com meio corpo pra fora.

Martha Medeiros