segunda-feira, 28 de abril de 2014



Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,   mas as palavras estão prontas sobre os lábios como   segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.   E, se de noite as repito em surdina, no silêncio   do quarto, antes de adormecer, é como se de repente   as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses  em busca desses antigos recados levados pelo tempo:

Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo   e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.   Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde   e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.

Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão   do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos   do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever   as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;   e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.

Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta   meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias   afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo, por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo   menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.


Maria do Rosário Pedreira