segunda-feira, 28 de abril de 2014


Senti uma viva decepção no sexo, um longo cocegar desagradável. Ao mesmo tempo, sentia a camisa roçar-me contra a ponta dos mamilos, e era cercado, arrastado, por um lento turbilhão colorido, um turbilhão de névoa, de luzes no fumo, nos espelhos, com os assentos que brilhavam ao fundo; e não via porque é que aquilo se passava ali, nem porque se passava assim. Estava no limiar da porta, hesitava; depois produziu-se um remoinho, uma sombra passou no teto, e senti-me empurrado para diante. Era como se flutuasse, estava encadeado pelas brumas luminosas que, vindas de todos os lados, me penetravam ao mesmo tempo. Madeleine aproximou-se a boiar, despiu-me o sobretudo, e notei que ela tinha arrepiado os cabelos para trás e posto brincos: não a reconhecia. Olhava-lhe para as grandes bochechas que se chegavam cada vez mais para as orelhas. Na covinha das bochechas, abaixo das maçãs do rosto, havia duas manchas cor-de-rosa, bem isoladas, com ar de se aborrecerem no meio daquela carne pobre. As bochechas
deslocavam-se, chegavam-se para as orelhas, e Madeleine sorria: «Sr. Antoine, que é que toma?»
Então a Náusea acometeu-me, deixei-me cair no assento, nem sequer já sabia onde estava; via as cores girarem lentamente à minha volta, tinha vontade de vomitar. E aqui está: desde então que a Náusea não me deixa; a Náusea apossou-se de mim.

Jean-Paul Sartre, A Náusea