sábado, 17 de dezembro de 2011

"O mundo se reduziu à superfície de sua pele - o interior ficou a salvo de toda a amargura. Doeu-lhe não ter lido aquela revelação muitos anos antes, quando ainda seria possível purificar as lembranças e reconstruir o Universo sob uma luz nova e evocar sem estremecer o cheiro de alfazema de Pietro Crespi ao entardecer e resgatar Rebeca do seu ambiente de miséria, não por ódio nem por amor, mas pela compreensão sem limite da solidão. O ódio que percebeu certa noite nas palavras de Meme não a comoveu porque a ofendesse, mas porque se sentiu repetida em outra adolescência que parecia tão limpa como devia ter parecido a sua e que, entretanto, já estava viciada pelo rancor. Mas na época já era tão profunda a conformidade com o seu destino que nem sequer a inquietou a certeza de que estavam fechadas todas as possibilidades de retificação."

Gabriel García Marquez, Cem anos de solidão