segunda-feira, 20 de novembro de 2017


Abraço é coisa tão séria que não se empresta, se dá. E quando os corpos se encostam, todos os chakras se tocam. Abraço é coisa tão séria que junta os dois corações: pode ecoar para sempre ou esvaziar por inteiro. Pois quando a gente abraça, traz para dentro a pessoa: com bagagem, passado, infância, viagens e o principal: seu perfume espiritual. E o que recebemos nem sempre é o que damos_ por isso alguns são afagos que nutrem por um longo tempo e outros, desespero pra matar a fome, um devoramento. Recuso abraçar levianamente, abraço com meu enrosco de afeto demais, amor puro, corpo colado para o abraço ser sentido, ter sentido. Abraço que é de verdade pode até ser dado de longe, pois ultrapassa as esferas e desconhece distâncias, é todo feito de encontro. Abraço é coisa tão séria que há de ser doce, leve, divertido, espontâneo, mesmo quando acalanto, colo ou celebração. A gente agarra por impulso de carinho porque a sintonia é a mesma. E quando o abraço termina, quando ele é dado de graça, fica a cosquinha no peito, uma brisinha na alma e a harmonia instalada...♥


Marla de Queiroz



Estou adiando. Sei que tudo o que estou falando é só pra adiar, adiar o momento em que terei que começar a dizer, sabendo que nada mais me resta a dizer. Estou adiando o meu silêncio. A vida toda adiei o silêncio? Mas agora, por desprezo pela palavra, talvez eu possa começar a falar.

Clarice Lispector


domingo, 19 de novembro de 2017


um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
...que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água? 
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

Al Berto



"... eu não esquecia dele. Em parte porque seria impossível esquecê-lo, em parte também, principalmente, porque não desejava isso. É verdade, eu o amava. Não com esse amor de carne, de querer tocá-lo e possuí-lo e saber coisas de dentro dele. Era um amor diferente, quase assim feito uma segurança de sabê-lo sempre ali."

Caio Fernando Abreu



É como se as paredes respirassem
e os cheiros misturados se sentissem
e todas as palavras não calassem
embora no silêncio se fundissem
É como se o olhar soubesse o toque
e o toque adivinhasse o que não visse
mas visse no murmúrio o mesmo enfoque
na imagem que se viu mas não se disse
É como se a manhã não mais chegasse
e o dia fosse noite todo o dia
É como não querer que se acabasse
o instante em cada instante que se adia
   e o teto fosse o chão e o chão o teto
   e toda a atmosfera fosse afeto


 É como se de pétalas chovesse
o lustre mas tal chuva não caísse
É como se o desejo percebesse
aquilo que a razão não mais medisse
É como se a pergunta respondesse
e o ventre da resposta perguntasse
É como não se ouvisse e compreendesse
o mínimo cicio que faltasse
É como se arranhasse e não ferisse
e tudo o que sentisse, deliciasse
É como se dos poros se parisse
a alma em cada gota que suasse
   e o gosto fosse o gosto de um só gosto
   e o fogo não soubesse de qual rosto


 E sem que se pedisse, se virasse
e em forma de pirâmide se erguesse
Uma mão que no espelho se agarrasse
e a outra o travesseiro pertencesse
e o beijo noutra boca deslizasse
e enquanto esse subisse, essa descesse
e a boca desse beijo se molhasse
e o beijo nessa boca mais bebesse
e o que não fosse beijo se encostasse
e a boca mais ainda recebesse
e o beijo no pescoço assemelhasse
da boca que pulsasse a que gemesse
  e o mais só sussurrasse, sussurrasse
  e sem que se dormisse, mais sonhasse


Antoniel Campos

Razão e emoção são dois planetas que não habitam a mesma galáxia. Você SABE que sua dor é superável,você SABE que amanhã vai encontrar um novo amor,você SABE que é uma felizarda por ter saúde, família, um teto para morar, mas você não SENTE assim.
E o sentimento é poderoso. Comanda-nos. E a gente sucumbe. Feito um avião caindo do céu, feito refém de um assalto do coração.

Martha Medeiros



Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la.

Martha Medeiros



E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.



Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Quem ama, quem vive o amor 
enquanto respiração, 
com ou sem lágrimas, 
está sempre enamorado. 
Motivos não faltam: 
o mar (se nos separa 
transforma-se 
em lágrima) 
e o grão de arroz, 
a curva de um seio ou a plástica de um falo, 
o olhar que dispara estrelas mínimas 
ou a úmida complacência de uma vagina, 
a própria imagem no espelho 
ou um ser distante, 
possivelmente já morto... 
Quem ama está sempre enamorado. 
Até à morte e até, 
por vezes, 
pela morte.

Casimiro de Brito


eu 
quando olho nos olhos 
sei quando uma pessoa 
está por dentro 
ou está por fora 
                 
quem está por fora 
não segura 
um olhar que demora 


                 
de dentro de meu centro 
este poema me olha

Paulo Leminski

Talvez eu ande em busca do tesouro, 
da tua verdade!
O tesouro escondido e inesgotável 
que a mulher tem oculto nas suas entranhas, 
e onde jamais se saberá onde começa a realidade e acaba o mistério. 
Como se a mulher, 
o mais perfeito dos animais, 
pudesse ser vista por fora — quantas vezes, 
pois se multiplica!— e por dentro, 
e sempre e também imaginada. 
O seu mistério alucina quem já está alucinado.
O teu mistério alucina-me
porque já estou alucinado?
Tu. O meu pé e o teu pé em busca 
de uma certa glória!

Casimiro de Brito

Nós


Poucas pessoas gostam de viajar sozinhas. O que é compreensível: a melhor modalidade é a dois, também acho. Mas, na ausência momentânea de parceria, por que desconsiderar uma lua de mel consigo mesmo?

Uma amiga psicanalista me disse que não é por medo que as pessoas não viajam sozinhas, e sim por vergonha. Faz sentido: numa sociedade que condena a solidão como se fosse uma doença, é natural que as pessoas se sintam desconfortáveis ao circularem desacompanhadas, dando a impressão de serem portadoras de algum vírus contagioso. Pena. Tão preocupadas com sua autoimagem, perdem de se conhecer mais profundamente e de se divertir com elas próprias.

Vivi recentemente essa experiência. Tirei 10 dias de férias, e não diga que não reparou, ou morrerei de desgosto. Estive em lugares que já conhecia para não me sentir obrigada a conferir as atrações turísticas _ o “aproveitar” não precisa necessariamente ser dinâmico, podemos aproveitar o sossego também. Minha intenção era apenas flanar, ler, rever amigos que moram longe e observar a vida acontecendo ao redor, sem pressa, sem mapas, sem guias. Dormir até mais tarde e almoçar na hora em que batesse a fome, se batesse. Estar disponível para conversar com estranhos, perceber o entorno de forma mais aguçada, circular de bicicleta por cidades estrangeiras. Ave, bicicleta! Diante do incremento de turistas no mundo, não raro impossibilitando a contemplação de certos pontos, alugar uma bike às 7h30min foi a solução para curtir ruas vazias e silenciosas.

Solitários, somos todos, faz parte da nossa essência. Não é um defeito de fabricação ou prova de nossa inadequação ao mundo, ao contrário: muitas vezes, a solidão confirma nossa dignidade quando não se está a fim de negociar nossos desejos em troca de companhia temporária. E a propósito: quem disse que, sozinho, não se está igualmente comprometido?

Numa praça em Roma, um casal de brasileiros se aproximou. Começamos a conversar. Lá pelas tantas, perguntei de onde eles eram. “De São Paulo, e você?” Respondi: “Nós, de Porto Alegre”. Nós!!! Quanta risada rendeu esse ato falho. Eu e eu. Dupla imbatível, amor eterno, afinidade total.

Se você não se atura, melhor não viajar em sua própria companhia. Mas se está tudo bem entre “vocês”, saiam por aí e descubram como é bom sentar num café num dia de sol, pedir algo para beber enquanto lê um bom livro, subir até terraços para apreciar vistas deslumbrantes, entrar em lojas e ficar lá dentro o tempo que desejar, entrar num museu e sair dali quando bem entender, caminhar sem trajeto definido nem hora pra voltar, pedalar ao longo de um rio ouvindo suas músicas preferidas no iPod, em conexão com seus pensamentos e sentimentos, nada mais.

Vergonha? Senti poucas vezes na vida, quando não me reconheci dentro da própria pele. Mas estando em mim, sob qualquer circunstância, jamais estarei só.

Martha Medeiros