sábado, 1 de março de 2014

Os expulsos



“Entre o eu e a vida abriu-se um hiato, que faz daquela não mais a sua vida, mas um território onde ele não consegue penetrar e se inserir, um lugar estranho que não lhe pertence e ao qual não se sente pertencer, uma contínua fuga de algo que nunca possuiu e que portanto não é seu, mas do qual sente nostalgia como se o tivesse perdido” (prólogo do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880)

É uma sensação esquisita. Está tudo bem, nada de grave aconteceu, mas você não está legal. Não aguenta mais o trânsito, palco das maiores grosserias, e o que é pior: flagra a si mesmo praguejando na hora do rush, quando sabe que é preciso ter paciência e sair mais cedo de casa, pois os trajetos estão tomando mais tempo.

Está todo mundo nervoso por razões que não necessariamente o fato de você ter cruzado à frente – você que também vive numa pressa danada. Ainda assim, mesmo com toda a compreensão sobre o assunto, que desânimo. Lê nos jornais que o metrô está longe de sair do papel e suspira. Tampouco se sente seguro para andar de bicicleta em meio ao caos urbano. E não se atreve a dizer em voz alta (é politicamente incorreto), mas até os pedestres estão abusando da soberania que possuem. Atiram-se na frente dos carros, longe das faixas, com a empáfia de donos da lei, como se não houvesse leis para eles também.

Você já não suporta dar e ouvir tanta opinião, e se choca com os desaforos anônimos que inundam as redes sociais. Quanto mais se enaltece o bom humor, mais aumenta o número de pobres de espírito , pessoas com uma nuvem negra sobre a cabeça, inquisidores a apontar falhas, criticar, debochar. Todos se julgam aptos a dar lições quase não há mais humildade em aprender.

Você sabe que não é melhor do que ninguém, porém gostaria de ser melhor do que você mesmo, mas como?
São tantos avanços tecnológicos, atualizações de vocabulário, acontecimentos, modismos, tendências, como absorver? O dia de ontem torna-se obsoleto a cada nascer do sol, e essa renovação constante não lhe excita, ao contrário, dá preguiça.

Você queria mesmo era se refugiar numa casa de campo ao melhor estilo Zé Rodrix, com seus amigos, seus discos, seus livros e nada mais. Mas você não faz o tipo ermitão a quem bastaria uma hora para sobreviver. Você gosta de ir ao cinema, viajar, conversar, ainda tem curiosidade sobre o mundo. Só que curiosidade moderada não é suficiente. Não basta ter um interesse médio. É preciso acompanhar tudo. Já nem tento.
Será assim mesmo que a velhice anuncia que está chegando?

Preferia pensar que é a sabedoria batendo à porta. Não precisar de tanta gente em volta (“Não sofrer de solidão, e sim de multidão” – Nietzsche), não se cobrar modernidade não se envergonhar de usar ferramentas antigas. Mas nada disso é sábio, dizem os outros. É desistência. Talvez você se sinta como eu. Prestes a ser expulsa da própria vida.

Martha Medeiros